O projeto é inspirado em um busto originalmente encomendado por Neyde Senna, mãe do ídolo mundial. Esculpida em alumínio polido e facetado, a obra de três metros e meio de altura e 550 quilos é carregada de significados para a artista, especialmente por ser uma “encomenda” da avó. “Ela queria lembrar do filho como ele era e imaginou, após acompanhar meu desenvolvimento artístico, que eu seria capaz de fazer isso, de trazer essa memória de volta”, comenta Lalalli. Ao mesmo tempo em que se sentiu honrada com o pedido, Lalalli sabia dos desafios que viriam pela frente.
“Retrato é uma área difícil da escultura e não é minha especialidade. Não foi a razão e nem o foco da minha formação artística. Mas eu queria atender esse desejo tão profundo da minha avó, mesmo sabendo do alto padrão de exigência da família, e em especial dela mesmo no que diz respeito ao cuidado com a memória do Ayrton. Sabia que seria algo especial”, confessa.
O princípio
A história teve início em 2015. Uma primeira obra em escala de tamanho natural (1:1) agradou toda a família. Em 2019 surgiu o convite para que a escultura fosse entregue ao Papa Francisco, em Roma. “À época eu estava na maternidade pelo nascimento do meu 2º filho e não pude fazer a entrega pessoalmente, mas fui bem representada pela minha irmã, Bianca Senna”, recorda. Hoje, a peça faz parte do acervo do Museu do Vaticano.
Depois de pronta a escultura revelou sensações inesperadas. “Foi como um grande reencontro com o meu tio Beco, 30 anos depois, algo difícil de explicar”, descreve. “Toda a família sentiu o mesmo e se emocionou, o que me deu a gratificante sensação de missão cumprida”.
O processo
Da ideia à realização da escultura em grande escala, Lalalli percorreu um longo caminho. “Tive pausas no processo, mudei de país, engravidei duas vezes... Não bastasse isso tudo no campo pessoal, tem o fato de essa ser uma obra monumental, uma das maiores já produzidas na fundição de Piracicaba. Tivemos que superar questões técnicas e não fosse a ajuda de muitos colaboradores, o projeto não sairia”.
A figura pública
Ao iniciar o projeto, Lalalli percebeu que a obra deveria extrapolar a ligação emocional e familiar. “Não se tratava mais apenas do meu tio, mas de uma figura pública”, pondera. “O Ayrton é considerado por muitos um herói por sua trajetória no automobilismo, pelos valores defendidos e a forma como representou o Brasil mundo afora”, descreve a artista. “Os heróis, reais ou fictícios, são alicerces da identidade de uma nação, representam seu lado luminoso e vitorioso”, explica. “Essa é, por si só, uma temática que me atrai como artista”, revela.
A peça monumental ganhou um tratamento facetado, seguindo uma linguagem mais contemporânea, daí a opção pelo alumínio polido. “Quando escolhi esse material, uma espécie de multiplicidade de espelhos, a intenção foi que o expectador se visse refletido na escultura”, relata. “A ideia é que as pessoas pudessem ver o “herói” e ao mesmo tempo o próprio reflexo como parte do efeito, vendo-se como parte desse Brasil luminoso de Ayrton”, explica Lalalli.
O Pai
Lalalli perdeu o pai também num acidente automobilístico, em 1996. Ele é uma das grandes influências na sua trajetória artística, especialmente no campo musical. Flávio Pereira Lalli era músico e tinha o sonho de seguir como profissional dessa arte, mas a vida o levou para uma carreira muito diferente – ele se formou em Engenharia pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), assim como seus outros três irmãos.
“Acho que é um recorde até hoje ter quatro pessoas da mesma família no ITA, onde meu pai e meus tios puderam ter acesso a uma formação incrível”, conta Lalalli, que decidiu incorporar o sobrenome paterno ao seu nome artístico para levar a memória do pai em suas empreitadas musicais e criativas. “É uma forma de homenageá-lo”, conta com orgulho.
Lalalli
Artista multiplataforma, Lalalli aborda linguagens de diversos campos da arte, como a escultura e a música, a partir de um fascínio pelo inconsciente e por formas geométricas puras sempre embasadas pela antropologia, sua formação acadêmica. Para isso, ela recorre a novas tecnologias, colocando a modernidade a serviço da atemporalidade.
A artista revela que se acostumou a explorar o domínio dos sonhos, anotando-os e desenhando-os, a fim de captar uma espécie de "transcendência ordenada" que se expressa em suas obras. A partir dessa captação parte para a identificação do material e das plataformas necessárias para a execução da obra.
Em “Plumalume”, um de seus projetos em curso, Lalalli concebeu a trilha sonora, dirigiu o vídeo e produziu toda a cenografia. O trabalho iniciado quando morava nos Estados Unidos é fruto de um de sonho de infância da artista.
Um projeto em escala arquitetônica e uma instalação em formato imersivo também estão sendo desenvolvidos por Lalalli, assim como um documentário dos bastidores da produção da escultura “Nosso Senna”. A efervescência criativa acabou dando vez ao Lalalli Studios que dá suporte aos seus projetos multiplataformas e possibilita colaborações.
Como artista multimídia, Lalalli possui um currículo diverso. Exemplo é a peça “A criação do dia”, de 2015, uma composição clássica para orquestra. À época, a música foi executada pela Orquestra Sinfônica Municipal de João Pessoa, com regência do maestro Laércio Diniz. Nesse mesmo período, Lalalli ainda produziu duas grandes esculturas figurativas, em tamanho natural, utilizando o vidro como matéria-prima. A concepção das obras “Firedancer” e o “Autorretrato” foram registradas em vídeo para um documentário.
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